quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Japão tem judô como disciplina escola e estimula "golpe perfeito"

O fundador do judô, Jigoro Kano, era educador e foi dono de escola de inglês antes de abrir sua academia. O "Pelé do tatame", Yasuhiro Yamashita, invicto ante estrangeiros nas 559 lutas que fez, atualmente ensina na graduação de professores em uma faculdade de educação física.
Um exemplo remoto e um atual ilustram a ligação entre a modalidade e o ensino. Um vínculo tão forte que leva o país de maior êxito nos tatames a ter o judô como disciplina escolar.
No Japão, que tanto se orgulha de ser o berço de uma das raras modalidades olímpicas em que os contendores se curvam em sinal de respeito antes e após o combate, o judô transcende a importância esportiva.
"Uma das razões do sucesso do judô no Japão é o fato de ser incentivado nas escolas. Passa valor educacional, calcado na humildade e no espírito esportivo. Tem apoio da sociedade", diz Yamashita, dono de um ouro olímpico e nove Nacionais na classe sem limite de peso.
Hoje docente na Universidade de Tokai, ele vai à etimologia do termo judô para explicar sua influência na sociedade.
"O significado de 'Do' é 'caminho'. Os valores transmitidos pelo esporte se aplicam à vida de muitos japoneses."
Os valores a que ele se refere são resumidos na fórmula "melhor uso da energia e bem-estar mútuo", cunhada pelo fundador do judô, Jigoro Kano, para nortear a modalidade.
"Significa conseguir o resultado máximo com o mínimo uso de força e valorizar o oponente. Sem ele um judoca não tem como evoluir", conta o professor Naoki Murata, curador do museu do Kodokan, instituto fundado por Kano em 1882.
Na prática, diz ele, com autoridade de faixa-preta 7º dan, isso aparece na incessante busca pelo ippon. "Ensinamos a busca pelo golpe perfeito. Por isso, nos eventos japoneses não há koka [menor pontuação internacional, atribuída ao atleta que faz o rival cair sentado]."
De fato. Nas mais de três horas de treino de luta que a Folha presenciou em Tokai, com os 65 faixas-pretas da equipe nas quatro categorias acima de 81 kg, os judocas sempre buscaram técnicas para finalizar os combates de maneira súbita.
Golpes que costumam render menos pontos --catadas de perna e técnicas de projeção lateral-- não foram vistos.
Quando atacados, os universitários não retraíam o corpo, abaixando o quadril de forma defensiva. Sempre tentavam posição para contragolpear.
"O objetivo é jogar, não fazer pontos. A responsabilidade do judô japonês é expandir isso, que é o judô correto. A questão não é vencer a luta, mas perseguir esse golpe", resume Ken Agemizu, técnico de Tokai.
Com a diretriz, ele mantém na equipe até quem não tem ambição no plano esportivo.
É o caso de Kentaro Kodoma, 21, que já abandonou há tempos o sonho de chegar à seleção. "É meu último ano como competidor universitário. Quero me formar e ensinar o judô para crianças", comenta o estudante de educação física.
Ele avalia que o judô o tornou mais esforçado e disciplinado, o que tentará transmitir aos seus alunos. A missão que o futuro professor se impõe é realizada diariamente no Kodokan, berço da modalidade.
Foi em sua academia que Jigoro Kano rompeu com a tradição dos mestres do jiu-jitsu japonês e, em vez de transmitir secretamente as técnicas para apenas seu discípulo mais graduado, democratizou o ensino.
"Kano ensinou também às mulheres. E, como falava inglês perfeitamente, exportou o judô", comenta Murata, para narrar como e por que o judô suplantou o jiu-jitsu no Japão.
Hoje, meninos e meninas, a partir dos quatro anos, dividem o tatame do Kodokan nas aulas para iniciantes.
Apesar de preservar as tradições, a academia é permeável a novidades vindas do exterior, como relata Mikihiro Mukai, chefe do treinamento infantil.
"Em 12 anos como treinador da seleção júnior feminina, notei que as crianças se divertiam mais nas aulas fora do Japão do que aqui, onde são ensinadas de forma mais severa e disciplinada. Quando assumi o posto no Kodokan, em 2005, mudei um pouco as aulas, estimulando o lado lúdico, orientando as crianças a imitar bichos como gorila, canguru, rã, camarão..."
Deu certo. Hoje há mais crianças na academia. E elas aprendem brincando. Imitações de animais são as posições usadas nos golpes mais tarde. Mas a influência estrangeira demandou uma contrapartida.
Com a profusão de golpes "importados" de outras lutas nos eventos internacionais, em que raramente os mais novos têm condições de ver algumas técnicas "puras", a solução foi incentivar eventos de kata --luta simulada, com demonstração de golpes em duplas.
"É o básico da modalidade. Incentivamos a presença das crianças nos torneios de kata, para que vejam as técnicas perfeitas", conta o 8º dan Saburo Matsushita, diretor de instrução do Kodokan.

Fonte: Folha de S.Paulo - LUÍS FERRARI



Obrigado Até Mais...

Nenhum comentário:

Postar um comentário